Duas coisas que eu adoro são o Metrô e a cidade de Londres.
O Metrô, para mim, é o melhor meio de transporte que existe: voccê entra nele, relaxa, apenas espera chegar em seu destino. Ele não se atrasa, não pega trânsito... enfim, sensacional.
Já Londres é uma cidade, por um certo ponto de vista, até feia: seu clima cinzento e a tão famosa fog assustam quem curte uma prainha. Não a mim. Lá é o berço da maioria das coisas que eu gosto na vida, como o Futebol e o Rock. Como não amar a Bretanha? Como não amar a cidade de Londres?
Em Julho de 2003 tive a oportunidade de conhecer, justamente, o metrô de Londres. São dezenas de linhas e centenas de estações. Pode se chegar a qualquer ponto da cidade através. Lá, eles o chamam de “Undergroung” ou carinhosamente de “Tube”.
Um ponto negativo é a sujeira. Lá, eles não tratam o metrô como um patrimônio (enquanto nós, baderneiros do 3º mundo, ironicamente, tratamos): o metrô é sujo e pichado, e as garrafas de refrigerantes rolam pelo chão dos vagões sem dó nem cerimônia.
Mas o que mais me chamou a atenção no Tube foi o seguinte fato: as pessoas entram no vagão com seus jornais na mão. As pessoas passam a viagem lendo seu jornalzinho e, quando chegam em sua estação de destino, dobram e deixam o jornal no assento que ocupavam, para que outra pessoa possa lê-lo! Sensacional! É a coletivização da leitura descartável (afinal, jornal velho, como diz um velho ditado e também a Gabi, serve apenas para embrulhar peixe).
Depois dessa introdução, volto ao dia de hoje, típica Segunda-feira na Paulicéia. Vim de Santos hoje mesmo, de busão, e depois tive que pegar o metrô do Jabaquara até a Praça da Arvore. São apenas cinco estações, mas como o Jabaquara é ponto final e também rodoviária, a estação fica sempre bombando.
Carrego em minhas mãos o Lance!, jornal diário sobre futebol. Como já o havia lido no bumba (uma hora de viagem entre Santos e São Paulo), pensei: “e se eu tentasse dar uma de bretão? Afinal, já li esse jornal todo, não preciso mais dele, e se eu deixá-lo em algum assento, alguém o lerá. Oras, por que guardar este jornal velho comigo, se alguém pode achá-lo interessante?”
Dito e feito, resolvi largar o jornal em algum assento. No entanto, encontro o primeiro dilema: como já disse acima, a estação Jabaquara fica cheiona. Portanto, é claro que não havia assentos vazios. E a tendência seria o vagão fica ainda mais cheio com o passar as estações
Decepção? Um pouco.
Mas não desisto.
Desço na Praça da Arvore e avisto, logo de cara, uma lixeria, com uma tampa de tamanho médio, que parecia servir como uma espécie de vitrine. Não era o local mais adequado para se deixar o jornal, mas seria minha última chance. Enquanto tento equilibrar o jornal de pezinho, acima da tampa, um rapaz, que acabara de cruzar meu caminho, passa a andar mais lentamente, observando que raios estou fazendo. Consigo deixar o jornal direitinho e, penso eu, "dever cumprido". Não como queria originalmente, mas, pelo menos, o jornal não foi para direto para o lixo, ficaria ali exposto.
Tomo meu rumo e vejo que o tal rapaz permaneceu parado. Agora sou eu quem cruza o seu caminho, em direção à escada rolante. Depois de subir tudo, olho para trás. E o que vejo? O tal rapazinho com o jornal nas mãos, desfrutando de uma boa leitura.
Bingo! Deu certo! A coletivização da leitura deu resultado!
Não foi como eu imaginei, não foi do jeito bretão, não foi com garbo e charme. Mas, quer saber? Que se dane! O que importa é que eu já tinha lido o jornal, não queria mais e, antes que eu pudesse colocá-lo junto ao lixo reciclável, mais alguém (e talvez mais pessoas, afinal, o rapaz que pegou o jornal deve ter amigos, família, etc.) se aproveitou de tal leitura.
Olha aí, Lula! Depois do Fome Zero, que tal o Leitura Zero? Não custa nada e o modelo já está feito, basta copiar o metrô dos Bretões. Aliás, copiar não, fazer Benchmark, né? ;-)
Investimento pesado em Leitura e Metrô. O que você acha, Sr. Presidente? Vamos coletivizar as coisas! Ou então, um termo que você provavelmente gostaria mais de usar: socializar.
Aproveitei o feriado prolongado para fazer uma visita ao glorioso Rafael Benatti, irmão do também glorioso Renato. O rapaz citado se mandou alguns anos atrás para a cidade de Navegantes, cidade do litoral de Santa Catarina e cerca de 90 km ao norte de Florianópolis. Navega é uma cidadezinha simpática, com um pouco mais de 50 mil habitantes e não tem lá tantos atrativos turísticos, porém estrategicamente tem seu aeroporto e seu porto. E é ligada à Itajaí, vizinha que tem esse nome por causa do rio que divide as duas cidades.
Foi uma viagem deveras aprazível não só por Navegantes,mas sim pelos passeios pelas cidades da região. Uma delas, na sexta-feira 13, foi a germânica Blumenau e justamente na melhor época do ano, o mês de setembro. Durante a maior parte desse mês tem a famosa Oktober Fest, que pude ver na Wikipedia suas origens enraizadas no ano de 1984. Pelo o que conversamos com o pessoal de lá, antes a festa era feita em um quarteirão fechado, onde haviam os desfiles, bandas alemãs, e cerveja pra cacete.Hoje tudo está diferente, a não ser a parte da cerveja. Ao invés de ser uma festa aberta na rua, hoje acontece no Parque Vila Germânica, um lugar muitíssimo organizado com restaurantes
e lojinhas construídas no estilo alemão. Além dessa parte de fora, há um imenso galpão dividido em duas partes. Na Oktober, em cada um desses galpões tem um palco com bandas alemãs se revezando durante a noite inteira. E, também na parte de fora, uma tenda da Brahma
que, graças a Deus, patrocina o evento.
Fizemos o reconhecimento do local, estava tudo bem, mas tínhamos um problema, não estávamos encontrando o lugar onde haveria a balada mais tarde. Paramos para conversar com um segurança e ele, gentilmente, nos disse que na tenda da Brahma, que nós achávamos pequena, iria ter DJ e tudo mais. Ficamos tranqüilos, ouvir bandas alemãs até a madrugada seria um pouco complicado.
Eis que, despretenciosamente, estávamos na tal tenda pegando um chopp quando mais que de repente surge um DJ, começa a tocar e o lugar fica simplesmente lotado. Toda área (do lado de fora e de dentro) antes livre passa a ser ocupada por pessoas, na maioria do sexo feminino e deveras aprazíveis.Isso foi por volta de meia-noite e nos dois galpões a coisa também começou a esquentar com algumas bandas tipicamente alemãs passando a tocar músicas menos alemãs. Enfim, foi uma ótima experiência, uma baladinha muito legal e com chopp pra caralho. Recomendo! Pena que fica a uns 600 km de São Paulo.
por Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.